25/06/2020
Um Pouco de História: John Wycliffe

O artigo a seguir foi publicado originalmente em 27 de abril de 2017. Esperamos que gostem, se não viram a publicação original.


Enquanto muitos veem Martinho Lutero como aquele que deu origem à Reforma Protestante, as ideias que Lutero apoiou podem ser rastreadas até dois séculos antes, a um inglês conhecido como “A Estrela Matutina da Reforma,” John Wycliffe (1320-1384).

Nascido 150 anos antes de Martinho Lutero, Wycliffe iniciou um esforço que lançou o fundamento para a Reforma Protestante que finalmente se espalharia por grande parte da Europa no período de 1500 a 1600. Seu tema centralizado questionava se a autoridade final estava na igreja ou na Palavra de Deus. Ele não usou de meias palavras ao denunciar os erros da hierarquia organizacional da igreja romana e a desenfreada corrupção em seu clero. Esta postura colocaria Wycliffe na mira de Roma pelo resto da vida.

Em 1378 ele tomou uma posição clara, ao escrever A Verdade da Sagrada Escritura, com o ponto central de que a Escritura é a revelação completa de Deus e a autoridade final acima da tradição, do direito canônico, dos papas, dos concílios e de todas as coisas de natureza terrena. Ele também cria que a Palavra deveria estar disponível a todos os leigos, assim como ao clero. Desta crença surgiu a Bíblia de Wycliffe, traduzida do latim para o inglês.

No final daquele ano Wycliffe caiu enfermo de uma forte doença (derrame cerebral), que se temia pudesse resultar fatal. Os frades mendicantes, acompanhados por quatro dos mais eminentes cidadãos de Oxford, conseguiram ser admitidos em seu dormitório e lhe rogaram que se retratasse, por amor de sua alma, das injustiças que tinha falado acerca da ordem deles. Wycliffe, surpreendido ante esta solene mensagem, se recostou em sua cama e com rosto severo disse: “Não morrerei, senão que viverei para denunciar as maldades dos frades.”

Quando Wycliffe se recuperou, dedicou-se a uma tarefa sumamente importante: a tradução da Bíblia para o inglês. Antes da aparição desta obra, ele publicou um tratado no qual expunha a necessidade da mesma. O zelo dos bispos por suprimir as Escrituras impulsionou enormemente sua venda, e os que não podiam adquirir uma cópia faziam transcrições de determinados Evangelhos ou Epístolas. Posteriormente, quando os lolardos foram aumentando em número e se acenderam as fogueiras, virou costume amarrar ao pescoço do herege condenado os fragmentos das Escrituras que encontraram em sua posse, e que geralmente seguiam sua sorte.

Livro dos Mártires de Fox

Sob os esforços de Wycliffe a Bíblia em latim foi traduzida para o inglês (não foi impressa em massa porque a imprensa ainda não havia sido inventada) e circulou amplamente. A igreja católica fez o possível para manter as pessoas em ignorância da Palavra e dependentes dos sacerdotes, permitindo apenas traduções em latim. O homem comum e sem instrução não falava latim, e portanto confiava na interpretação dos sacerdotes.

Os grupos de pessoas que carregavam as Bíblias de Wycliffe e pregavam a partir delas eram chamados de lolardos. Era uma palavra ofensiva na época, estabelecida por seus inimigos - a igreja católica - e significava “murmuradores.” Muitos foram queimados com suas cópias da Bíblia em volta do pescoço. Como Sadraque, Mesaque e Abednego, estes valentes mártires entraram no fogo pela Palavra.

As Bíblias dos lolardos foram copiadas extensamente e circularam pelo país, apesar do fato da igreja queimar sistematicamente milhares delas. Apesar dos esforços deles para silenciar sua voz, mais destas Bíblias sobreviveram até hoje do que qualquer outro manuscrito medieval (230 cópias).

Vida Posterior

Wycliffe passou os últimos dois anos da vida isolado em uma paróquia em Lutterworth, Inglaterra. Durante este tempo uma revolta camponesa irrompeu em 1381, a qual teve impacto direto em Wycliffe. Embora ele não tivesse sido a causa direta do levante, não era segredo onde seu coração estava, e seus adversários facilmente o incriminaram de ser a causa dela. Enquanto as tensões começavam a ferver, um arcebispo eminente, que estava em desacordo com Wycliffe, foi morto durante a revolta. Isso colocou ainda mais pressão sobre as opiniões de Wycliffe. A igreja não toleraria isso por muito mais tempo.

Um derrame o deixou parcialmente paralisado, e por isso não pôde responder a uma solicitação para comparecer a Roma. Wycliffe morreu apenas dois anos depois de ter sofrido um segundo derrame. A Bíblia de Wycliffe não foi o que poderia ter sido porque foi traduzida a partir do latim em vez do grego e do hebraico originais. A igreja católica tornou muito difícil ou impossível encontrar um manuscrito nas línguas originais. No entanto, o trabalho de Wycliffe abriu caminho para a tradução de Tyndale para o inglês e a tradução de Lutero para o alemão, ambas feitas a partir dos textos originais, e ainda amplamente em uso hoje. De 1604 a 1611 a equipe de tradução da King James (inglês) se baseou fortemente na tradução de Tyndale para produzir a Bíblia King James.

Por causa de sua popularidade e do medo que a igreja tinha do povo, a igreja esperou 40 anos antes que os ossos de Wycliffe fossem exumados, queimados e suas cinzas espalhadas em um ribeiro próximo - o Swift. Também era punível de morte ter uma cópia da Bíblia de Wycliffe. Mas isso teve pouco efeito sobre sua influência e sobre o que já começara a tomar forma na Europa. O autor John Foxe fez referência a isto em seu livro dos mártires:

...apesar de exumarem seu corpo, queimarem seus ossos e afogarem suas cinzas, todavia não puderam queimar a Palavra de Deus e a verdade de sua doutrina com o fruto e triunfo da mesma; o que até este dia... permanece.

Livro dos Mártires de Fox